Boa noite, pessoal! Como estão todos? Acabo de reescrever os quatro parágrafos de considerações iniciais. Da primeira ideia que tive até agora, muita coisa mudou. Decidi dividir o estudo em duas partes e renomear os tópicos, mudar o título e usar como base alguns conceitos de Paul Zumthor, que, inclusive, fez pesquisas aqui no Brasil com cantadores populares. Os livros que usei foram Introdução à Poesia Oral e Performance, Recepção e Leitura. Bom, lá vão o novo título e o primeiro tópico:
Contadores de Rosa / em Rosa: a performance
do contador de estórias rosianas e a presença do contador nas estórias de João
Guimarães Rosa
“Deus meu! No sertão, o que pode uma pessoa
fazer do seu tempo livre a não ser contar estórias?”
J. G. Rosa
“O desejo da voz viva habita toda poesia, exilada na escrita.”
P. Zumthor
1 Considerações iniciais
Em Cordisburgo,
Minas Gerais, cidade natal do escritor João Guimarães Rosa (1908-1967), os
grupos de contadores de estórias[1]
“Miguilim” e “Caminhos do Sertão” divulgam a obra do conterrâneo em performances nas quais são declamados
trechos do romance Grande Sertão: Veredas
e de narrativas como “Campo Geral”, “Meu Tio o Iauaretê”, entre outras. Nessas apresentações, o público se emociona, se
diverte e se encanta com as estórias contadas e com as canções entoadas; e se admira
com a capacidade mnemônica dos contadores, que chegam a narrar um conto
praticamente na íntegra, com pouca ou nenhuma alteração de palavras, o que pode
ser considerado uma façanha, em se tratando de uma linguagem nada corriqueira -
e considerada “difícil” - como é o caso
da escrita literária de Guimarães Rosa.
Além
do papel divulgador da literatura rosiana, a atuação dos contadores de
Cordisburgo atualiza a própria tradição dos narradores e cantadores populares,
presentes nos mais diversos grupos humanos, desde tempos remotos como a
Antiguidade grega, com seus rapsodos e aedos; até o Brasil do século XXI, com
seus repentistas e cordelistas, que desempenham um importante papel de
resistência cultural e de partilha de saberes.
Guimarães Rosa uma
vez disse que todo sertanejo é, por natureza, um contador de estórias e que
ele, como sertanejo, também o era: “(...) nós, os homens do sertão, somos
fabulistas por natureza. Está no nosso sangue narrar estórias”[2]. Sendo, ele mesmo, um contador, Rosa
privilegiou esses narradores em sua obra literária, transformando-os em
personagens como Joana Xaviel e o velho Camilo, de “Uma estória de amor”;
e o cantador Laudelim, de “O recado do morro”[3].
O presente ensaio está
dividido em duas partes: na primeira, intitulada Os contadores de Rosa, apresentaremos os grupos “Miguilim” e
“Caminhos do Sertão” para, em seguida, analisar seis performances de seus contadores de estórias. Utilizaremos, para
tanto, o conceito e a teoria da performance
do medievalista, historiador da literatura e estudioso da voz, Paul Zumthor. Na
segunda parte, denominada Os contadores
em Rosa, analisaremos a presença das
figuras do contador e do cantador na ficção de Guimarães Rosa, tendo como base
os contos “Uma estória de amor” e “O recado do Morro”.
[1] João Guimarães Rosa se referia às suas narrativas como
“estórias” e, por isso, utilizaremos esse termo para indicar os contos, novelas
e romances escritos por ele. A palavra “histórias” também será utilizada, mas
para referência a outras narrativas. O escritor mineiro, no prefácio “Aletria e
Hermenêutica”, da obra Tutaméia (1967),
defende a originalidade da “estória”: “A estória não quer ser história. A
estória, em rigor, deve ser contra da História. A estória, às vezes, quer-se um
pouco parecida com a anedota. (...) pela etimologia e para a finalidade, requer
fechado ineditismo.” (ROSA, J.G. Ficção
Completa. v. 2. Rio de Janeiro: nova Aguilar, 2009. p. 529) As narrativas
rosianas, mesmo aquelas que se utilizam de “histórias” sertanejas ou tradições
literárias preexistentes, têm como característica comum sua originalidade,
demonstrada desde a linguagem até a forma de composição dos textos.
[2] Declaração dada por Guimarães Rosa durante entrevista
concedida ao crítico literário alemão Günter Lorenz, em 1965, no trecho em que
o autor fala sobre seus primeiros escritos: “Veja
você, Lorenz, nós, os homens do sertão, somos fabulistas por natureza. Está no
nosso sangue narrar estórias; já no berço recebemos esse dom para toda a vida.
Desde pequenos, estamos constantemente escutando as narrativas multicoloridas
dos velhos, os contos e lendas, e também nos criamos em um mundo que às vezes
pode se assemelhar a uma lenda cruel. Deste modo a gente se habitua, e narra
estórias que correm por nossas veias e penetram em nosso corpo, em nossa alma,
porque o sertão é a alma de seus homens. Assim, não é de estranhar que a gente
comece desde muito jovem. Deus meu! No sertão, o que pode uma pessoa fazer do
seu tempo livre a não ser contar estórias? A única diferença é simplesmente que
eu, em vez de contá-las, escrevia.” (ROSA apud LORENZ, Günter W. Diálogos com Guimarães Rosa. In: ROSA, J. G. Ficção
completa. v. 1. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2009. p. XXXVII)
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