Parte 1 - Os contadores de Rosa
Histórico
O grupo de contadores de estória “Miguilim” foi fundado em 1997[1]
pela prima de Guimarães Rosa, Calina Guimarães, na época, médica aposentada. Quando
Calina começou a apresentar problemas de saúde, em 2000, sua sobrinha, Dôra
Guimarães, que já ministrava as oficinas de formação, assumiu, também, a
coordenação do grupo. Em 2005, Elisa Almeida, que ajudava nas oficinas, passou
a dividir a coordenação com Dôra. Ambas são educadoras e já possuíam experiência
anterior na narração de histórias.
Meninos e meninas,
a partir dos 9 ou 10 anos de idade[2],
ingressam em uma oficina introdutória, onde são trabalhados contos simples da
tradição oral, que oferecem mais liberdade de improvisação para o contador
iniciante. Só depois desse primeiro momento é que vão sendo introduzidos os
textos de Guimarães Rosa. De acordo com Elisa Almeida, em entrevista concedida à
autora deste ensaio, é um trabalho que tem várias fases:
A gente tem um trabalho com
o texto, com o entendimento do texto, com a leitura em voz alta, para compreensão,
saber da entonação certa, para só depois memorizar, decorar. Então, é uma coisa
lenta. Tem muitos que saem, principalmente nesse começo, que é mais difícil,
mesmo. (...) já estamos na nona geração, tem muitos que tem irmãos mais velhos
ou primos, amigos que já foram miguilins. E como ser miguilim dá um certo status na cidade, por vários motivos,
inclusive porque eles viajam a lugares que eles nunca viajaram (...) já tem
muitos que querem, muitas famílias que querem. (Elisa Almeida)
Se tornar “miguilim”
é, portanto, motivo de orgulho familiar e pessoal, para aquele que conseguiu
superar as dificuldades iniciais. Quando o narrador está pronto para se
apresentar em público, ele recebe a camiseta personalizada de contador de estórias
“Miguilim”, que simboliza a entrada definitiva do menino ou menina no grupo. Os
“miguilins” fazem a visita guiada pelo Museu Casa Guimarães Rosa, em
Cordisburgo; apresentam-se durante as “Semanas Roseanas”[3];
e participam de eventos dentro e fora da cidade. Em geral, os “miguilins”
permanecem no grupo até os 18 anos, quando muitos têm de sair de Cordisburgo para
prosseguir com os estudos, uma vez que não há faculdades nem maiores opções de
capacitação profissional no pequeno município, de 9.014 habitantes[4].
Entretanto, os
ex-miguilins que, depois de adultos, desejam seguir narrando Guimarães Rosa
podem ingressar em outro grupo de contadores: o “Caminhos do Sertão”, fundado
em 1998, por José Osvaldo dos Santos, mais conhecido em Cordisburgo como “Brasinha”.[5]
O “Caminhos do Sertão” também faz apresentações dentro e fora da cidade e, ainda,
promove caminhadas eco-literárias[6]
que percorrem as veredas do interior de Minas, tão presentes na obra do escritor.
Em determinadas paradas, são apresentadas as performances dos narradores e do violeiro Di Souza, que faz a
abertura das narrações com trechos de músicas populares ou composições originais
inspiradas na obra de Guimarães Rosa. A partir da XXV Semana Roseana, em 2013,
o grupo “Caminhos do Sertão” passou a promover, também, caminhadas literárias “urbanas”,
que percorrem as ruas de Cordisburgo.
Elisa Almeida
acredita que os narradores de Guimarães Rosa revelam ao seu público a dimensão oral
da obra do escritor mineiro, que nem sempre é notada na leitura silenciosa:
O que a gente sente é que
descortina uma dimensão que na leitura silenciosa é mais difícil de captar. Eu
estou pesquisando um pouco umas correspondências dele, encontrei umas coisas
muito interessantes que ele falou com a tradutora dele para o inglês,
correspondências que nem estão publicadas, em que ele fala um pouco disso. Ele
tinha uma consciência disso: de que a obra dele era para ser ouvida, para ser
falada em voz alta. (Elisa Almeida)
Nas performances dos contadores de estórias
de Cordisburgo, o tom da fala, um gesto ou uma expressão facial empregada em
determinada situação ajudam o espectador a compreender passagens da narrativa
de Rosa que poderiam parecer difíceis, se fossem somente lidas, de forma individual
e silenciosa. Para Paul Zumthor, toda poesia espera por esse momento de comunicação:
“O desejo da voz viva habita toda poesia, exilada na escrita”[7].
[1] Em 1996, foram feitas as primeiras oficinas e, em 97,
houve a estreia com o nome de “Miguilim”, conforme nos contou em entrevista uma
das coordenadoras, Dôra Guimarães. A íntegra está no item _____, do tópico “Anexos”.
*** (estou renumerando os itens, ainda)
[2] De acordo com Elisa Almeida, que também
coordena o grupo, a idade de entrada varia entre 9 e 10 anos de idade e o pré-requisito
é estar bem alfabetizado(a). O depoimento de Elisa sobre a formação inicial dos
miguilins está no item ____, dos anexos.
[3] Evento anual em Cordisburgo que, desde
1989, homenageia Guimarães Rosa e sua obra.
[4] Fonte: IBGE, 2016.
[5] O depoimento completo de “Brasinha”, que também
participou desde o início do projeto do grupo “Miguilim”, está no item ___, no
tópico “Anexos”.
[6] Caminhadas em grupo nas quais os guias aliam mensagens
de cunho ecológico, voltadas para a contemplação e preservação das paisagens
naturais, com narrações de contos e declamações de poemas. Além do “Caminhos do
Sertão”, outros grupos promovem sistematicamente caminhadas desse tipo, como,
por exemplo, a companhia de teatro amador “Toque de arte”, de Paraisópolis
(MG), na anual caminhada “Tinha um Drummond no meio Caminho”, que, desde 2011,
percorre trechos da Serra da Mantiqueira com paradas para apresentação de
poemas do escritor mineiro Carlos Drummond de Andrade. A Biblioteca comunitária
do Calabar, em Salvador (BA), de 2008 a 2012, promoveu a “Invasão
Eco-literária”, uma espécie de cortejo pelo bairro, em comemoração à Semana
Nacional do Livro e da Biblioteca, de 23 a 29 de outubro, instituída pelo Decreto
84.631/1980.
[7] ZUMTHOR, Paul. Introdução à poesia oral. Trad. Jerusa Pires Ferreira, Maria Lúcia
Diniz Pochat e Maria Inês de Almeida. São Paulo: Editora Hucitec, 1997. p. 168.
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