domingo, 2 de outubro de 2016

Raízes do Repente: Pesquisando as relações histórico-culturais entre a figura do Rapsodo e os artistas de rua do Nordeste

Título: Raízes do Repente: pesquisando as relações histórico-culturais entre a figura do Rapsodo e os artistas de rua do Nordeste.

Resumo: Este artigo pretende pesquisar se realmente há alguma ligação histórica ou cultural entre o canto amebeu dos pastores da Grécia Antiga e o repente nordestino, bem como entre a figura do Rapsodo e a do cantador de repente nordestino, através da análise da obra de Luís da Câmara Cascudo, Vaqueiros e Cantadores, publicada em 1939. Pouco se sabe sobre a verdadeira origem dos estilos musicais predominantes em algumas regiões do Brasil, como por exemplo, o repente na região nordeste. Após a publicação deste livro, vamos encontrar várias referências bibliográficas reiterando a afirmação de Cascudo. Mas Mário de Andrade critica essa afirmação e sugere outra motivação para o desenvolvimento do estilo musical do repente no Nordeste.

Palavras-chaves: Rapsodo, Homero, Ilíada, amebeus, repente nordestino, Câmara Cascudo, Vaqueiros e Cantadores, Mário de Andrade.

Abstract: This article aims to investigate whether there really is some historical or cultural connection between the amebeu style of singing common between the shepherds of ancient Greece and the Northeast's musical style “repente”, as well as between the figure of rhapsode and the northeastern repente’s singer (or “repentista) through the analysis of Luís da Câmara Cascudo’s book, “Vaqueiros e Cantadores”, published in 1939. Little is known about the true origin of the predominant musical styles in some regions of Brazil, for example, the northeast’s “repente”. After the publication of Cascudo's book, we will find many references reiterating his statements. However, Mário de Andrade criticizes this statement and suggests another motivation for the development of this musical style in the Northeast.
Keywords: Rhapsode, Homer, Iliad, amebeus, Northeast’s Repente, Câmara Cascudo, Vaqueiros e Cantadores, Mário de Andrade, .....

A tradição ibérica dos trovadores é encontrada na cultura popular brasileira através de várias manifestações musicais, como por exemplo, a trova gaúcha, o calango (Minas Gerais), o cururu (São Paulo), o sambe de roda (Rio de Janeiro) e o repente nordestino. Assim como o trovador, os poetas populares brasileiros iam “de região em região, com a viola nas costas, para cantar seus versos”. Especificamente no caso do Repente, temos as primeiras referências ao estilo na região Nordeste do Brasil em meados do século XIX, mais precisamente na Paraíba. O nome Repente surge da característica dos versos serem feitos de improviso, “de repente”, em um desafio com outro cantador. O repentista nordestino podia ser encontrado em cidades e feiras cantando ou declamando poesias, algumas vezes sozinho e em outras em duplas, quando então surgiam os desafios entre os cantadores. “Não importa a beleza da voz ou a afinação – o que vale é o ritmo e a agilidade mental que permita encurralar o oponente apenas com a força do discurso”.
Devido à ausência de documentação neste período e a característica de arte popular, não formalizada e transmitida oralmente, pouco se sabe da origem real desses cantores, mas sabe-se que antes mesmo do surgimento do repente, "cantadores anônimos tenham perambulado Nordeste afora, ensaiando desafios, tocando viola e batendo pandeiro". 

Na busca das influências da desenvolvimento do repente, encontramos a pesquisa de Luís da Câmara Cascudo (1898-1986) que vislumbra este elo inicial "no antigo canto amebeu grego (desafio entre pastores), cuja técnica teria sido adotada por Homero na Ilíada e na Odisséia.” (CASCUDO). “Oportuno lembrar que Homero viveu (se é que viveu) por volta dos séculos IX e VIII antes de Cristo. Assim, o canto amebeu grego já era exercitado há, pelo menos, trinta séculos de hoje. O mestre potiguar assinala que Horácio e Virgílio testemunharam a influência desse canto nas populações rurais de seu país". (LUCAS)

Em seu cordel A Origem do Repente, João Santana declama que:

Na Grécia Antiga viveram 
Entes espetaculares,
Os rapsodos, que usavam
Declamações salutares
levando contos ao povo
Nos mais distantes lugares.

Depois deles, os aedos
Que em suas composições
Ao som das liras cantavam
As lendas e tradições,
Imortalizando histórias
Por diversas gerações."

            A respeito de sua teoria, diz Cascudo em seu livro Vaqueiros e Cantadores:

Na ‘cantoria’ não há acompanhamento musical durante a solfa. Os instrumentos executam pequenos trechos, antes e depois, do canto. São reminiscências dos prelúdios e postlúdios com que os Rapsodos gregos desviavam a monotonia das longas histórias cantadas? O trecho tocado é rápido e sempre em ritmo diverso do que foi usado no canto. A disparidade estabelece um interesse maior, despertando atenções e preparando o ambiente para a continuação. Essa música tem outra finalidade. É o tempo-de-espera para o outro cantador armar os primeiros versos da resposta improvisada. No desafio, no canto dos romances tradicionais, na cantoria sertaneja enfim, não há acompanhamento durante a emissão da voz humana. O canto amebeu dos pastores gregos, origem do desafio sertanejo, fora dessa forma. A explicação é que tocavam flauta, sirinxs, instrumentos de sopro. Nenhum pastor, de Teócrito ou dos idílios e oaristas gregos, aparece senão com a flauta. Não há instrumento de corda. A harpa é posterior e pertenceu ao rapsodo, às vezes cego e, compensativamente, de melhor e mais límpida memória. Aos pastores do canto amebeu era impossível o acompanhamento, simultâneo com os versos, uma vez que o instrumento era de sopro. Assim começara o canto alternado... (CASCUDO, p. 142) (os grifos são do próprio Mário de Andrade no seu volume pessoal do livro. Ele também coloca uma interrogação ao final do parágrafo)

            Numa breve pesquisa sobre o assunto, encontramos vários sites e pesquisadores que citam a tese de Cascudo sem questionar sua opinião. Mas encontramos um artigo de Mário de Andrade, datado de 1940, que elogia o livro de Cascudo mas critica a tese da origem do repente.

Da mesma forma afirmar, com algum desperdício de erudição, que “o canto amebeu dos pastores gregos (é a) origem do desafio” (pág. 142) me parece muito audaz e rápido. É uma dessas afirmações absolutamente improváveis, tão criticamente inúteis como a dos nossos folcloristas que ligam o Bumba-meu-Boi ao boi Ápis. Nesses terrenos das afirmações meramente associativas, chegaríamos a dizer que as brigas de palco, entre cantoras, por exemplo, tiveram origem nas brigas instrumentais de Apolo. Por que não considerar antes o desafio, tão instintivo, tão encontrável por esse mundo fora, um desses “pensamentos elementares” que podem nascer, independentemente de ligações, em vários pontos da terra? A meu ver, o ensaísta norte-riograndense se prende com demasiado escrúpulo a essa tendência perigosa de tudo ligar, através das geografias e das raças, esquecido de que, mais que os movimentos migratórios, são a psicologia individual e as exigências sociais que tornam o homem muito parecido consigo mesmo, seja ele pastor grego ou pastor do sertão nordestino. (ANDRADE Apud DAMASCENO, p. 305)

            Mário de Andrade chama a atenção para a semelhança existente entre os vários tipos humanos sobre a terra, sob os aspectos psicológico e social, para ele causa mais provável da semelhança entre os estilos musicais.
(A DESENVOLVER)

BIBLIOGRAFIA:
http://www.infoescola.com/musica/repente/
http://culturapopularetc.blogspot.com.br/2010/01/origem-da-cantoria-nordestina.html
http://www.versoencantado.com.br/wp-content/uploads/2014/11/ecordel-a-origem-do-repente.pdf
 SÁ, Marina Damasceno de. O empalhador de passarinho, de Mário de Andrade: edição de texto fiel e anotado. Dissertação de Mestrado. USP, 2013

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