(capítulo
de um livro)
Sumário:
1-Apresentação
2-
Platão e os Rapsodos em alguns trechos da República,
Íon, Fedro (e Ilíada)
2.1
Fedro e discurso rapsódico
2.2 República,
Ilíada e Narrativa
2.3 Íon
e Performance
3-Algumas
reflexões entre performance, dramaturgia/montagem, audiovisualidade e narrativa
em Platão – uma leitura a partir dos modernos (O Narrador, O Futuro do Drama,
Lacoonte, The Singer of Tales).
4-Considerações finais
5-Bibliografia
Segue um texto em que tento escrever algo entre os tópicos 2.1 e 2.2
Antes
de analisarmos o livro 3 da República (onde se discute a teoria literária
diante da construção hipotética – no discurso – de uma cidade justa) e algumas partes do Íon
(onde Sócrates contracena com um próprio Rapsodo, vejamos o que Platão nos fala
acerca dos Rapsodos no Fedro 277d-278a, ao discutir com ele os discursos
convenientes (uma espécie de crítica a escrita ou aos discursos, já no final do
diálogo):
Porém,
aquele que pensa que todo discurso
escrito, não importando o assunto, terá, por força, de conter boa dose de
brincadeira, e que não há peça oratória em verso ou prosa digna de ser encarada
com muita seriedade, tal como acontece
com as composições dos Rapsodos, que não permitem exame e nada ensinam, pois só
têm a finalidade de persuadir, não passando os mais bem logrados discursos de
recurso mnemotécnico para os que (já) sabem; e que julga que somente no discurso que versa sobre a justiça, a
beleza e a excelência e que é proferido por mestres no interesse da instrução,
e efetivamente numa alma, representa clareza, perfeição e avaliação séria, que
tais palavras devam ser tidas como a própria autêntica prole do orador, em
primeiro lugar o discurso no interior dele mesmo – se aí puder ser encontrado –
e, em segundo lugar, os descendentes ou irmãos desse discurso que possam ter brotado
de um honroso modo em almas alheias, e que não atentam para outros discursos- essa pessoa, ó Fedro, provavelmente é
como eu e tu desejaríamos nos tornar. (Phaed,
277d-278a)
A critica socrática é ferrenha para os Rapsodos: de
dentro da própria oralidade ( no contexto literário) Sócrates critica os Rapsodos
pela sua simulação de saber e sua força/finalidade de persuasão. Em
contraposição a essa performance mnemotécnica, Sócrates repousa a dignidade e
seriedade em outro modo de discursos. Esse tom irônico e esse confronto com os
Rapsodos e Homero por parte de Platão, se desdobra em diversos diálogos. Lembremos
que Aristófanes, na comédia ‘as Nuvens’,
retrata seu Sócrates como um avoado filósofo que acaba por morrer no final da
peça.
A receptividade e produção das rapsódias e do teatro
grego é algo assistido e presenciado fortemente por Platão. A formação primeira
de Platão (além de ser destinado à política por ser de família nobre) era a de
dramaturgo-poeta. Depois de conhecer Sócrates se converte para a filosofia,
movendo sua formação nessa direção.
Mas e o próprio texto platônico? Também ele tenta
persuadir para alguma direção, também ele é em algum sentido rapsódico? Como se
interpretar o estilo dialógico? Os diálogos platônicos são uma narração
mimética? Uma performance, uma atuação, e portanto estariam em segundo plano,
perante as críticas à forma narrativa? Vejamos por um momento como começa a
República em comparação com a Iliada:
Canta,
ó deusa, a cólera de Aquiles, o Pelida
(mortífera!,
que tantas dores trouxe aos Aqueus
e tantas almas valentes de heróis lançou no
Hades,
ficando seus corpos como presa para cães e
aves
de rapina, enquanto se cumpria a vontade de
Zeus),
desde
o momento em que primeiro se desentenderam
o
Atrida, soberano dos homens, e o divino Aquiles.
E
na República:
Ontem
desci até o Pireu com Glaucon, filho de Aríston, a fim de dirigir minhas preces
à Deusa, e ao mesmo tempo, com o desejo de ver de que maneira celebravam a
festa, pois era a primeira vez que a
faziam. (327a)
É possível descobrir
algo acerca dos narradores a partir desses trechos? Quem é o narrador na
Ilíada? Homero, que raramente ou nunca se mostra como personagem, mas narra os
eventos da guerra. Um ‘eu’ subentendido que roga a Deusa que cante a ira de
Aquiles, e logo começa a narrar o resgate fracassado da filha de Crises. Na República é o próprio Sócrates que narra os
eventos e falas dos demais personagens.“(Eu) desci ao Pireu... para rogar à
Deusa...”. Temos aí alguma evidência
acerca do modo narrativo em que se enquadram Homero e Platão? E quais outros
elementos dramáticos que temos para pensar essa estranha (e aporética?) relação de Platão em
conjunção com Homero e os Rapsodos?
Nenhum comentário:
Postar um comentário